A loucura é cruel por trespassar por julgamentos alheios a nossa vontade - a anulação de si em desfavor do outro, o descumprimento de meu próprio regime interno em desarranjo ao que se dita normal em sociedade. Dona de mim enxergo nesse processo o reflexo imoral em que os corruptos se deleitam - ora se só há razão quando apontada a insanidade - e onde todos são amorais a moralidade se torna transtorno, patologia ou demência. Me reafirmo em minha própria voz, e canto, gargalho, falo a plenos pulmões, língua e dentes o rompante ar que transformo em voz e xingo enquanto me apontam vulgar enquanto mulher - histérica e vadia me pintam. Há muito já trago esses gritos emudecidos que me ensurdecem, minhas costas tortas do peso de erros que não cometi, a ausência da liberdade submetida às vontades de outrem enquanto cozinho, lavo e crio os filhos do mundo, futuros imperadores hostis e mimados pervertidos com seus chicotes violentos. E eu, órfã da terra, bruxa mística e louca, subjugada na ignorância da normalidade cruel dos que nada fazem e tudo possuem assistindo esse espetáculo de desrazão ad eternum. Só há ordem na loucura.