sobre saudade

      A Saudade é o pior tormento, já dizia Chico Buarque. Habituei-me à ela como quem todos os dias abre os olhos ao despertar, uma necessidade precisa. Como faria eu se passasse o dia com os olhos tapados? É preciso abri-los. Saibamos que nós abrimos os olhos ao despertar e não erroneamente, como alguns pensam, despertamos porque abrimos os olhos [note a sutil diferença, porém fundamental]. E assim é a saudade. Num de repente ela surge furtiva, apressada e assim dolorida. E então neste mesmo relance que vem, você é despertado e nota que ela sempre esteve ali, sempre estará. A Saudade lateja no peito como um coração adolescente disparado ao ver-se numa situação tão íntima com a pequena namorada com a qual dança. A mão gentilmente desliza para a cintura da moça, o vestido leve de seda permite asas à imaginação e o coração fraco cede, bate. Assim é a saudade. A saudade é cada lambida de Sol ardente que seu corpo toma pela manhã ao pegar o caminho para o trabalho, é a mesa posta para somente um no café-da-manhã. E sendo assim não me surpreenderia se estivesse emocionado com aquela música, aquela que dizia algo sobre os dois, que antes um, agora somente metade. A Saudade é a velhice só, é perceber em cada brisa fria da manhã a lágrima quente da lembrança guardada, saudosa e bem-vinda. E já que foi me dado o direito, usufruirei todos os dias desse nobre sentimento, sonharei todas as noites com a presença que perdi, me emocionarei com a chuva e dormirei embalada em suas canções. Pois faz parte de mim, e mais do que isso, é o que sou, como os olhos que se abrem ao despertar pela manhã.

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Leva os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor, adeus