janta

Ontem fui jantar fora, um desses restaurantes que colocam mesas à calçada. Escolhi o prato e sentei-me a esperar... Porta de universidade, corpos, carros, cadernos num vai-e-vem que me entorpeceu os sentidos. Na falta do que levar a boca - esqueci-me do refrigerante - meus olhos se embriagaram naquele começo de noite movimentado. Essas crianças correndo apressadas às suas aulas, eu ali, faminta de qualquer coisa, olhos atentos aos seus movimentos, no que então me surge os dois: os nomeei Cassandra e Apolo, não pelo apelo mitológico, imagine. Não sou dada a essas cafonices de demonstrar-me mais inteligente do que realmente sou, mas apenas para dar-lhes ares de maior apresentação artística do que realmente conseguiria demonstrar em outras nomeações. Eram os dois, Cassandra e Apolo, menino e menina, homem e mulher, Adão e Eva que caminhavam juntos, desconfortavelmente abraçados a beijar-se um ao outro. Ombros, bochechas, bocas, cabelos, mãos. Infindos beijos que alardearam a atenção dessa pobre escritora que aqui vos fala. E os segui até onde pude, com o coração morno pelo carinho que ali transbordava, esquecendo-me por um momento do narcisismo infantil que nos move rumo à essa (mal)dita necessária paixão eloquente. E naquele casal, agora apenas João e Maria, cercado de tantos que iam e viam sem lhes dar conta, perdidos em seus beijos e abraços e carinhos, vi o céu que se prega no percurso do amor, me dando conta de que a muito vivia apenas o inferno - e num susto: - Sua refeição, senhora. Cassandra e Apolo se foram, os perdi de vista. Lamentei a dureza do garçom, mas foi apenas mais uma dessas indelicadezas da vida. Comi, sorri e me retirei. Naquela noite sonhei que amava e amanheci feliz.