tempo

Ela estava ali - na imagem refletida de um rosto cansado dos longos dias curtos que se embaralhavam em semanas [e meses] confusos e indistintos. Não se lembrava o que comera no café - não se lembrava que roupa usara no dia anterior - apenas não se lembrava de muitas coisas e assim como num relance, esquecia-se de ser o que era - essa anulação da vida adulta - dos carnês de pagamento, dos extratos bancários, do trânsito à caminho do trabalho. Perdia-se, pobre criatura, em nada. Pois era nada o tudo que tinha em vida, e nessa constatação então, chorou. E viu-se, olhos avermelhados, boca aberta, cabelo desgrenhado, mulher frente à um espelho de mágoas - de vida que se esquece de viver - de caminhos que esquecemos de trilhar. Esfregou os olhos, lavou o rosto, se olhou no espelho com a incredulidade de uma criança frente à perspectiva de uma nova experiência: precisava se encontrar. Na saída de casa, deixou as chaves do carro em cima da mesa. Já então na rua abriu as asas - e o vento fez voar.