estrada

O esforço para soar honesto lhe entortava a boca e desfigurava aquele rosto que achava bonito enquanto sereno. Não que ele fosse, e não o era, mas agradava-me as peças em estado individual: o nariz pequeno, as orelhas corretas, as sobrancelhas arqueadas - o havia conhecido ainda menino, ridículo, magricela e cabeçudo, andava pelas ruas sempre com algo nas mãos e isso havia me marcado pois era a única lembrança que traria dele da infância: uma fruta, um pote, um bandolim, um bicho. Sempre aquelas mãos ocupadas, que agora, em minha frente, pareciam desajeitadas e gesticulosas demais sem meu corpo a dar-lhe trabalho e ocupação. Seus olhos não prendiam-se nos meus: "não consegue olhar-me" - imaginava divertida enquanto o pobre diabo sofria em suas palavras incompletas - a sensação de domínio me agradou. Eu, mocinha mal feita, de pernas tortas e um ar de mais sobriedade do que realmente padeço, ali, parada, escutando uma confissão de amor entrecortada por tantos sinais que me afoitavam todos os sentidos, me desfazendo a concentração. Mas o que me atiçava mesmo eram as mãos vazias, e por isso, tão instintivamente, talvez, as tenha pego e entrelaçado minha própria cintura e pronto: agora estavam corretas, faziam sentido. Cravei-lhe os olhos com maldade dentro dos seus para que não pudesse fugir à minha vontade de fincar a bandeira da vitória em seu terreno não trilhado pelo amor, matas virgens que adentrei língua adentro em sua boca. E então foi só silêncio. E dois corações que palpitaram um beijo molhado, sem sabor, marcado pela ferocidade jovem de uma pessoa que sempre sabe o que quer, e por isso se perde em seus caminhos - e um menino que apenas estava ali, e por isso, era. E seria.