Labirinto

Tenho o corpo leve, e assim
facilmente
me levanta, me prensa e me amarrota.
Tenho as pernas finas
para que possa
gentilmente

se enroscar entre as coxas minhas
meus tornozelos, meus joelhos, minha virilha
e se esquecer por onde entrou
para então
nunca mais

achar a saída.

cotidiano

- Olá.
- Não
- Oi?
- Já disse. Não. Agora é só um olá mas depois serão alguns chopes em um barzinho com showzinho ao vivo. Risadas sobre situações engraçadas, gostos em comum. Eu me derretendo pelo Chico e você falando do PT. Não, não quero. Você imagina o que vem depois do PT? Imagina?
- Mas...
- Depois do PT eu falando que acho melhor encerrar a conversa. Você vai exigir o meu número de telefone e eu vou fazer charme dizendo que você não vai me ligar. Assim você me passa o seu. E então eu vou te ligar pra gente tomar um café, e é claro que você vai aceitar! Cachorro!
- Mas eu...
- Nada disso! Você vai querer me beijar, vai arranjar outros encontros, vai conseguir! Eu vou me apaixonar... Daí colega, já estará tudo acabado mesmo... Porque vem os filhos... 1, 2, 3! E com ele as crises. Parcelas em 12x sem juros. Decorar apartamento, arrumar cachorro. Não quero isso pra mim não.
- Eu não sei o que...
- Não, não sabe mesmo. Afinal as crianças estarão na barra da MINHA saia. Eu terei que virar mil pra ser mãe, mulher, dona-de-casa, trabalhadora. não Senhor! Deus me livre! Já te vejo chegando três horas depois do seu expediente, com cheiro doce de mulher e eu louca caçando marca de batom no seu colarinho.
- Minha senhora...
- Não! Esse seu OLÁ não é o primeiro e nem será o último deles. Te dispenso. Te amo por tudo que poderíamos ter vivido, mas não deu certo, nunca daria. Então em troca do seu olá, o meu tchau.
- Mas e sobre o cartão? Você não vai querer conversar? Crédito ilimitado senhora!
- TCHAU!
Moço, ela é tão bonita
Que só pode ser feliz.

senhora

Vamos nos encontrando em meio à tantas unhas, fios de cabelo, dentes, lágrimas e suor. Pego-me pensando sobre o que poderia acontecer e gosto de sofrer sozinha, me dá ares de Senhora, mulher que muito ama. Faz-me acreditar que a essência de tudo, então, estará nele: o Sofrimento. A alegria não seria tão extasiante sem o amargo da Angústia, da Dor e da Espera. Comportam-se como membros do nosso próprio corpo, de modo como um braço, ou então um dedo importante, que me permite esta escrita indecente. E sempre haverá esse gosto agridoce do sentimento de espreita. Sempre haverá esse prazer cruel de encontrar-se. Na dor.



desordem

Eu estava em paz quando você chegou. Jogada no sofá, brincava com meus dedos num batuque insistente que poderia ter irritado quem me fizesse companhia - mas não havia ninguém. E num de repente: mão pesada que bateu na porta e assustou meu coração. Não sabia quem era, não deixei entrar. Insistente foi você. Eu estava só quando você chegou, sabe? E essa coisa de solidão é saber-se ignorando sua própria imagem no espelho, pois ali não há nada e nunca há ninguém. Estava assim. Louça suja na pia, cama desarrumada, lixo acumulado, poeira no chão. E foi nessa casa bagunçada que você se adentrou, numa segunda vez. 



As cortinas estão fechadas e não deixam a luz do sol entrar. A boca entreaberta com a barba amarelada pela nicotina me olha como quem pergunta: - há alguma coisa aí?. E aponta pra uma menina, que antes sempre sozinha, agora ali.  - Tem, mas acabou. Ou pelo menos era o que ela acreditava. Até olhar pra esse lugar ocupado na sala e esquecer que há paz na solidão, paz? questiona. Aqui dentro está escuro, mas lá fora faz sol, percebi. Talvez seja hora mesmo de me desfazer dessas velhas cortinas e faxinar o meu lar.