Uma mãe embala o filho morto e o mundo vê: o coração da mulher brota da pelve - bate, cresce e nasce com choro de criança e ali se morre a mulher - sua vida agora trespassada pela vida de seu filho, o medo fundido com a esperança - não existe mãe feliz.
Quando um filho morre - a linha invisível da dor que conecta todas as dores se encurta e aproxima o coração de todas as mães que juntas choram a criança perdida. A mãe reconhece na outra a condição humana: encontrar significado no exílio de si.
Não conheço a fome, a guerra e a dor física extrema, tive a sorte de nascer mediana, em uma família comum, numa cidade medíocre. Meu sofrimento virtual em meu próprio diálogo interno se abastece de narrativa poética e aqui se encerra minha liberdade: o meu propósito fundado na educação do meu próprio afeto para assim coordenar as ações que regem minha vida sem fraquejar - e viver.
A guerra que na minha infância tão distante e tão dura hoje ainda dura e tão próxima nas mães que enterram seus filhos, nos homens que procuram seus mortos sob os escombros de onde se era o lar e do que se sobra da humanidade, sepultados - e quando ainda se consolam, abraçam e oram pelos seus mártires - a força da fé.
Me considero uma mulher covarde e na minha covardia e em meu ímpeto de violência compreendo que a razão é pequena parte do meu subjetivo, que necessita ser criada, educada e fortalecida tal qual criança pequena - e que esta mesma razão, como objetivo, se torna instrumento de educação de meus afetos e me faz acreditar e crer - a convicção de que haverá ainda coisas belas.
Como estou aqui, o outro está lá, como eu: de carne, sangue e lágrimas, e chora, sente medo, se rebela, aceita e entrega. E não se indignar, é também uma forma de morte pessoal, se mata a humanidade e a sepulta em vala comum com o horror e a covardia.
Por favor Deus, exista. E seja justo.
Se abateu sobre mim há cerca de um ano a iminência do nada: não era nada, não significava nada, nada realizara, nada pretendia, e sendo eu um nada havia parido duas crianças, concluído uma graduação, amado minha família, estabelecido amigos, escrito os mais belos poemas que havia lido, apreciado a comida e a gente, existido e criado meu próprio universo onde reinava mortificando meu espírito no álcool e em desejos infantis não racionalizados, expressados em choro e solidão - autodepreciativa e psicótica, delegada a proletarização de minha subjetividade, naufragada em um oceano imposto de trabalho e consumo insaciáveis e deletérios, ao qual sucumbem os vínculos afetivos, a criatividade, o amor e assim - a vida.
Então novamente ela veio: com sua foice, e a vida que me usurpara: - "vê que o corpo cessa, mas o espírito perdura? não no mundo que não pára: a fábrica que ainda elimina seus gases tóxicos, o veneno que mata a terra e contamina rios, a comida cancerígena, a vida que nada vale - mas acesa na memória do amor fraterno e a lembrança saudosa da pessoa que genuinamente amou - e revoltada, perplexa, incrédula ela se assenta: a consciência que somos eternos e que eu, a morte, não sou nada - pelo contrário: comprovo de que o erro não é o ser, mas o todo como está dado, pois não liberto e não trago alívio."
A incógnita do saber tem assombrado meu sono e desperta percebi que haverá de ser assim: preciso crer, pois não crendo eu mesma me tripudio, alimento um fantasma impostor em meu espírito que questiona todas minhas crenças me abatendo o mal - me acamo em uma mulher delegada as funções estabelecidas pelo patriarcado - anestesiada em minha função doméstica, esquecida do espírito de ser/existir e mal amo, mal falo, mal desejo, a depressão - nascida do capital e dada como condição natural do homem pós-moderno - melancólico, delirante de punição, suicida - o novo "normal".
O outro, que também eu, se doente e faminto, impossibilitado e incapacitado, angustia-me a vivência em sua totalidade pois o peso da meritocracia fraudulenta em nossos ombros que nos impõe a mentira como verdade e nos rouba a crença minando o espírito e subjugando nossos corpos ao trabalho compulsório e infindável e se fraqueja a carne nos escarra em nossa cara um "Tio Sam" faminto de carne e espírito: "fraco! incapaz!" e nos puxa as partes muito bem específicas em engendrada roda de moer gente e espírito em que pendura as cordas, dá os nós, se coloca o pescoço e dá o empurrão que finda a vida e depois delega a morte ao próprio homem, a vítima, superexplorado, consumido, raquítico de justiça e domínio - o chute no cachorro morto.
Tenho exercitado vivenciar a vida como um exercício de fé professada - definido bem o rumo, na escolha da rota tenho me desparamentado dessa lavagem que me insensibilizou ao outro: quero estar ao lado dos oprimidos, dos rejeitados, dos derrotados. Quero compartilhar o pão e ajudar a curar feridas. Quero dialogar com afeto e equilíbrio. Tenho me espelhado em Cristo. Quero a justiça divina, a comunidade entre os homens, a insurreição de nós.
Havia fecundado o medo em meu ventre - as inseguranças oriundas de ser mulher: eu, fêmea, a quem filhos havia gerado, meu útero desocupado, um ser não compreendido - perdoada e esquecida por homens a quem havia idolatrado (como criança a que ama os pais) e depois trespassada como navalhas de fino corte - silêncios, lonjuras, insônias superadas em licores de açaí... Gestava por dias ininterruptos a ideia de seu passado: a quem havia amado, as dores, o fuxico da vida que levara com constrangido orgulho de quem carregava o brio masculino de quem a tudo se permitiu, a lembrança etílica das noites que com beleza e encanto tornara poética o absurdo do caos, a lascívia de amores carnais onde encontrava seu gozo - um respiro, um minuto - le petit mort. Misericordiosamente me remiti das culpas: eu, que carrego a alcunha de outros amores, que em minha genitália provo gozo e ditam censura - minhas células que em regozijo golfam essas palavras que me atravessavam a garganta numa tarde ensolarada na pacatez do cerrado: um parto empelicado - feio e milagroso, maduro como um feto recoberto pelo vérnix caseoso - uma membrana protetora, fétida, dúbia, como a mim compreendi ser. Feia e bonita - em incompatibilidade - como a toda mulher que ama. Eu não sei explicar, mas sei compreender. Nasci.
fui uma criadora de galinhas quando era criança - comprava os pintos pequenos em lojas de produtos agrícolas, amarelos de penugem empilhados aos montes dentro de pequenas gaiolas iluminadas por amarelas luzes incandescentes incessantes, escolhidos ao acaso por um par de mãos pequenas - predestinados ao enjaulamento - criaturinhas salvas por uma pequena eu criança que os alimentava depois em casa com a própria mão e suportava feliz as broncas maternas de sujeira e bostas de galinha pela casa de minha própria mãe exausta em sua jornada de mulher solitária - porém me sentia amada, e amada me sentindo tudo tolerava até o dia que chegasse o sacrifício: pescoços degolados posteriormente servidos em panelas impecavelmente ariadas em terças feiras entediadas
a mesma garganta que previamente chorava a morte de algo semelhante a um filho depois mastigava a carne branca desinteressada olhando desenhos multicoloridos na televisão para a tarde pegar as moedas e sair para a rua para aquisição de um novo bicho a quem destinasse meu afeto maternal
lembro agora da última galinha que havia criado, andava pela casa seguindo meus passos, adotara um balde de terra onde botava seus ovos, respondia aos meus chamados e gostava de se aninhar sobre minhas pernas entrelaçadas, quando morreu esta (de morte natural) não permiti que servisse a fome de meus pais, e foi a primeira vez que experimentei o luto, tendo chorado por uma tarde e uma noite seguidas e depois dela nunca mais tive outro pinto
lembro de quando pela primeira vez acompanhei um velório familiar - um tio-avô que estava presente ocasionalmente nos almoços de família, dado aos prazeres do álcool uma vez havia roubado o pastor alemão de minha avó para prejudicar o dono de um bar onde costumava dar trabalho e tendo feito dívida não havia conseguido outra dose - jazia pálido e narigudo em sua cama de madeira na sala de estar da casa pobre de sua irmã, minha avó, que chorava a perda inconsolada do irmão que tanto amara - não compreendi o sentimento, e no quintal de casa o mesmo cachorro a quem ofendera o dono do bar ousou de tentar morder meus calcanhares - senti medo e corri, mas não incomodei meus pais com meu choro tendo o guardado dentro do peito - me senti emocionar com o coração acelerado e foi a primeira vez que me lembro de ter silenciado meu próprio sofrimento
lembro quando morreu meu pai, já aos cuidados paliativos na casa de meus avós passava os dias deitado em sua cama hospitalar, emagrecido, gigante como um urso, se confundia em sua demência cancerígena e não reconhecia mais seus próprios pais, porém me sorrira ao adentrar o quarto como se me lembrasse, me abençoou e o beijei a testa pálida, saí para a rua com alguns amigos e pela manhã a ausência que perdura então até o infinito do hoje e agora
penso nas vidas ceifadas e nas famílias a quem foi retirado o direito do adeus, sepultados corpos de almas os quais os últimos olhares trocaram-se com desconhecidos mascarados e cansados seres humanos, desfeitos por líderes gananciosos e irrecuperáveis em seus desejos infantis, perversos manipuladores da morte que se fazem de deuses - esquizofrênicos e hostis
penso na multiplicidade do comportamento negacionista dentro de lares quebrados, pessoas infelizes sem perspectiva de liberdade, reféns de suas próprias vaidades institucionalizadas, sobrepostas a própria consciência, fanáticos reprodutores do discurso de morte que assola a própria porta de suas casas, e essa, a morte, a que tudo assiste, tudo vê, perplexa e feliz em sua completude a ceifar a esperança, humanidade, sobriedade e consciência de nossos dias, vislumbrando deslumbrada seus próprios pintos amontoados uns sobre os outros, com sua foice estendida, não ao acaso, a nos degolar a esperança e alegria
não choro mais.
sinto falta de algum vício. algo que me justificasse frente a ousadia do povo - aquele ridículo bonito, fraquezas gritadas, o erro cometido. diriam em minhas costas em delírio: - pobre coitada, são os hábitos! - e eu aos trapos, dentes tortos, hálito cetônico, extasiada e divertida com os olhos insaciados, inerte ao próprio ego, analisada e estuprada em meu íntimo. defeitos e imperfeições repetidos em várias línguas onde já haveriam passado a minha e outros tantos braços que entrelaçados em meu tronco me arrastariam e puxariam meus cabelos e cuspiriam em minha cara. o álcool, as drogas, o amor, essa gente toda patética que se norteia pelo vago, limita o horizonte a uma análise pessoal naufragada de preconceito e exterioriza a maldade de seus espíritos de porcos tal qual desprezo nos dá a mãe da criança grande que ainda permite o bico. o vício da língua maldita que tudo pragueja, que rogam a Deus o castigo divino e a este mesmo Deus puniram com a cruz e trazem as mãos sujas de sangue de gente e bicho. e eu, me encontrando aqui, nesse lugar que não me reconheço, planejando seu afeto em meu tempo, estilhaçadas horas corridas, que voam, e passam, e confundem meus sentidos com esse futuro que quando vejo, já se foi... sem fim.
naturalize na linguagem o amor que transcende as esferas do espaço e do tempo, o senso de justiça que coabita em nosso peito tal qual a fome que avassala o espírito e compreenda: são partes da mesma coisa - que a fome matada apenas é passo dado para o olhar crítico a quem ainda dela padece.
lute. grite. não tolere.
a ideia que permeia a carne frágil desse receptáculo gerado por minha mãe, que também é a sua, e eternizada no mundo físico pela força da cultura, a consciência e a beleza ilustradas por uma criança em que tudo crê e vislumbra o pouco de mar em seu copo de água - lição de fé. coragem. virtude.
rebele-se! veja que não existem outros - somos um só - que a inquietude é o estado natural do espírito e a palavra apenas instrumento de linguagem que mais aprisiona do que liberta e o indizível aflige a alma e assim todo homem saberá o que é ser mãe se ecoar sua poesia - gestar e parir - a metafísica de si.
te compreenda como algo eterno - que és - e que o único mistério possível seja somente a própria vida - pra-além de si.
sinto falta de algum vício. algo que me justificasse frente a ousadia do povo - aquele ridículo bonito, fraquezas gritadas, o erro cometido. diriam em minhas costas em delírio: - pobre coitada, são os hábitos! - e eu aos trapos, dentes tortos, hálito cetônico, extasiada e divertida com os olhos insaciados, inerte ao próprio ego, analisada e estuprada em meu íntimo. defeitos e imperfeições repetidos em várias línguas onde já haveriam passado a minha e outros tantos braços que entrelaçados em meu tronco me arrastariam e puxariam meus cabelos e cuspiriam em minha cara. o álcool, as drogas, o amor, essa gente toda patética que se norteia pelo vago, limita o horizonte a uma análise pessoal naufragada de preconceito e exterioriza a maldade de seus espíritos de porcos tal qual desprezo nos dá a mãe da criança grande que ainda permite o bico. o vício da língua maldita que tudo pragueja, que rogam a Deus o castigo divino e a este mesmo Deus puniram com a cruz e trazem as mãos sujas de sangue de gente e bicho. e eu, me encontrando aqui, nesse lugar que não me reconheço, planejando seu afeto em meu tempo, estilhaçadas horas corridas, que voam, e passam, e confundem meus sentidos com esse futuro que quando vejo, já se foi... sem fim.
te acalma e ama.
NIRVANA
o irmão de Eros
carta para quando cecília puder compreender
Eu amo você
RETORNO PARA CASA
lambari
oração
preateritus.a.um
Debutava-me as vontades que trazia,
me fazendo sua menina
(outrora tola e distante)
que após construção deste ninho
suas penas macias
- uma por uma -
fez pouso em minha vida.
Cabelos louros,
filho de Vênus,
faça de mim Psiquê;
Porque te amo?
Porque me permites...
eu quero entender
sede de música que em vida é como carvalho [já vistes um?]
sabe a harmonia que nunca entendi?
pula oitavas em direção a tua barriga
umbigo
desconheço de timbres e estremeço a cada nova vibração sonora
você em clave de fá
desatento ao meu bem querer
teus dedos em uníssono com minha palpitação
coração em pentagrama
eu sustenido
tu bemol
nessa escala temperada
pinga-me azeite
e beba.
crise simulada
Na estréia de hoje convido você - senhora, e você - pimpolho, a experimentar o recomeço de uma nova era! Pois veja, meu caro, que nada é passível de ser novo sem já ter existido antes. Que nenhum sonho é sonhado apenas uma vez e - até hoje - esta humilde que vos fala nunca viu fé que não foi outrora questionada.
Reinventa-se nos velhos hábitos já gastados por seus avós e permite-se a deliciosa chegada dos mesmos erros já vividos por seus pais. Nascem e morrem na deliciosa alvorada do antigo - e que gozo!
VIDA NOTURNA
distanásia
E quando apagaram-se os seus
- era eu noite,
noite e dia.
Yemanjá
Águia
sobre crianças
Puta
duas estrelas
Laranja
[travessão]:
Adeus
me afoguei
escrevo
dúbio
tato
reboco
vulcano
casa
cama
Espera
Clave de fá
Errei o acorde.
Na execução simultânea, preferi as escalas *a doce harmonia do crescente*
Ah! Queria cantar o mundo em dó menor, ter timbre, voz! Saberão me entender os apaixonados... Os de mundo azul-marinho.
O por-do-sol é um soneto, um beijo sinfonia.
campo de batalha
janta
E eu lhe digo: adeus
Well, you cured my January blues
-e a boca minha-
passeava apressado
em minha língua
(havia meu suspiro
e o seu arquejo)
essa febre que me toma
essa cama em que me deitas
desses olhos que não dizem
onde terminam estes dedos
manifesto
escalada
sobre saudade
Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Leva os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor, adeus
entrei em casa e havia uma carta embaixo da porta que dizia assim:
Meu Amor, te perdi. E não pude achar-te em mim.
sobre amores guardados
tempo
banquete
estrada
Labirinto
facilmente
me levanta, me prensa e me amarrota.
Tenho as pernas finas
para que possa
gentilmente
se enroscar entre as coxas minhas
meus tornozelos, meus joelhos, minha virilha
e se esquecer por onde entrou
para então
nunca mais
achar a saída.
cotidiano
- Não
- Oi?
- Já disse. Não. Agora é só um olá mas depois serão alguns chopes em um barzinho com showzinho ao vivo. Risadas sobre situações engraçadas, gostos em comum. Eu me derretendo pelo Chico e você falando do PT. Não, não quero. Você imagina o que vem depois do PT? Imagina?
- Mas...
- Depois do PT eu falando que acho melhor encerrar a conversa. Você vai exigir o meu número de telefone e eu vou fazer charme dizendo que você não vai me ligar. Assim você me passa o seu. E então eu vou te ligar pra gente tomar um café, e é claro que você vai aceitar! Cachorro!
- Mas eu...
- Nada disso! Você vai querer me beijar, vai arranjar outros encontros, vai conseguir! Eu vou me apaixonar... Daí colega, já estará tudo acabado mesmo... Porque vem os filhos... 1, 2, 3! E com ele as crises. Parcelas em 12x sem juros. Decorar apartamento, arrumar cachorro. Não quero isso pra mim não.
- Eu não sei o que...
- Não, não sabe mesmo. Afinal as crianças estarão na barra da MINHA saia. Eu terei que virar mil pra ser mãe, mulher, dona-de-casa, trabalhadora. não Senhor! Deus me livre! Já te vejo chegando três horas depois do seu expediente, com cheiro doce de mulher e eu louca caçando marca de batom no seu colarinho.
- Minha senhora...
- Não! Esse seu OLÁ não é o primeiro e nem será o último deles. Te dispenso. Te amo por tudo que poderíamos ter vivido, mas não deu certo, nunca daria. Então em troca do seu olá, o meu tchau.
- Mas e sobre o cartão? Você não vai querer conversar? Crédito ilimitado senhora!
- TCHAU!
senhora
desordem
trincheira
seus olhos fizeram da minha brisa tempestade
do meu medo,
trincheira
meio a tormenta que teus lábios
- meu fio de instabilidade -
cavou,
protegendo a mim mesmo
e então caiu
a chuva,
a água,
o céu - teus olhos tão mansos
encheu-se minha vala
permaneci ali e
naufraguei
na correnteza das coisas que vão
e não voltam mais