RETORNO PARA CASA


Ao todo já morri cinco vezes. Talvez ache curioso este fado - porém, este corpo ainda poupado da velhice há muito já não se lembra da criança que outrora foi. Morri cinco vezes e mesmo que não note nunca me recuperei totalmente - sigo aos pedaços o que meus tecidos tentam em vão recuperar: aquela parte de nós que quando se vai, comprova a irreversibilidade da morte, do que apenas deixa de ser o que era.
A primeira vez que morri soube que não era extensão de minha mãe. Brotaram-me dentes nas gengivas e ao sinal da menor mordida em seu seio sentou-me o tapa nas nádegas: "menina má!". Devo ter chorado, não me lembro. Hoje choro frente a perspectiva de descobrir-se tão só no universo.
A segunda vez que morri me afoguei. Havia certa ideia não muito trabalhada sobre acreditar na invencibilidade que meu corpo acreditava possuir... Sempre fui pouco exposta aos perigos que não incluíssem subir em árvore ou pequenas covas no jardim. A falta de ar e o fogo que adentrou os pulmões naquele pequeno mergulho me mostraram - dolorosamente - quão frágil o corpo é.
A terceira vez que morri foi quando me apaixonei. Neste ponto sou obrigada a discordar dos grandes filósofos: libido é pulsão de morte. Uma procura insaciável por algo que não me lembro ter perdido.
A quarta vez que morri foi quando perdi meu pai. Castraram-me as palavras. Ainda não me soa correta a vida sem ele. Ainda aguardo seu retorno, e aqui, de forma singela, a morte mostrou-se de maneira mais cruel: leva um pedaço que até então você não sabia possuir - e logo após, mata-te pela última vez: onde incapaz de continuar, te dá forças, e você compreende que apesar de toda ela, de tudo isso, está vivo.