lambari

Não me reclame os versos que não fiz. Houve um tempo que aqui era correnteza de lágrima e em meu leito rochoso escoavam emoções, tais quais fez correr em decrescência seu si lá mi. Tudo que era encanto trazia encravada a apatia que o tempo impõe em sua majestosa vaidade nos ensinando que não, nada é eterno. E a finitude de tudo cavou fundo e fez-se lago nesta menina - que nos dias atuais ora transborda, vez ou outra seca, dá vida e a tira, sendo pelo tempo que durar escara cravada em pedra de onde brota água doce de beber.

oração

A gente morre - todo dia. Quando apático aos olhos alheios faz-se piada do sofrimento imposto e uma mão estendida é sinônimo de rosto virado que faz às vezes de quem "não viu", "não sabe". Dessa gente santa que se cega às próprias custas frente aos pequenos impropérios cometidos, mas que munidos de punho e sangue ferozmente dilaceram a carne fraca e ruminam a cólera que reverbera nossos dias. Morre-se na cruz apedrejada e no pecador não bem vindo nos reinos do céu. Pois ali há de ser um banheiro impecável de azulejos e cristais, e deus, este pobre coitado, criatura fadada a limpar para sempre e todo o sempre a oratória "do bem" que regurgita nos nossos tempos. Se possível de uniforme, claro. Amém.

preateritus.a.um

Havia promessa feita de que me comporias todas as rimas que ainda não houvessem neste mundo... veja só, como são doces os sonhos de menina: cândura virgem frente à vividez que cruelmente os anos - e o mundo, e as cousas, e as gentes - haviam retalhado em seu peito, onde logo aprenderia que nunca éramos somente nós toda aquela bagunça de pronomes pessoais. Ansiosa respirava o futuro do nosso pretérito, meu mau português não me permitira uma boa conjugação verbal e você, meu professor, oratória graduada ensinava-me imperativo: compõe tu! E via em mim o que não via em ti - flor que havia tardado em seu florescer, era eu enquanto você já havia sido.
Nunca abandonou-me o tempo verbal: hoje vivo o presente mais que indicativo da ação que é tomar a própria vida pela mão e com ela enamorar-se. E uma coisa te digo: componho eu mesma as mais belas canções que já ouvi.
Do latim amor, era seu nome próprio.
Debutava-me as vontades que trazia, 
me fazendo sua menina
(outrora tola e distante) 
que após construção deste ninho
suas penas macias
- uma por uma -
fez pouso em minha vida.
Cabelos louros,
filho de Vênus,
faça de mim Psiquê;
Porque te amo?
Porque me permites...
Eu não consigo ir embora de mim a pé:
meus corredores coloridos com palavras
a altura inapropriada que este vinho me permite
- mas eu vou - digo
- já foi? - perguntas
- ainda não. - respondo
- você um dia volta? - tu
- não. você um dia vens? 
Se cruzares meu caminho,
e na direção de que vim, tu for
cata-me os sonhos não vividos
recicla as anedotas descartadas
tempera as palavras descuidadas.
Que neste mundo nenhuma oportunidade é perdida e
nenhum erro incorrigível.

eu quero entender

Asfixia-me os acordes que não aprendi
sede de música que em vida é como carvalho [já vistes um?]
sabe a harmonia que nunca entendi?
pula oitavas em direção a tua barriga
umbigo
desconheço de timbres e estremeço a cada nova vibração sonora
você em clave de fá
desatento ao meu bem querer
teus dedos em uníssono com minha palpitação
coração em pentagrama
eu sustenido
tu bemol
nessa escala temperada
pinga-me azeite
e beba.

crise simulada

Respeitável, público!
Na estréia de hoje convido você - senhora, e você - pimpolho, a experimentar o recomeço de uma nova era! Pois veja, meu caro, que nada é passível de ser novo sem já ter existido antes. Que nenhum sonho é sonhado apenas uma vez e - até hoje - esta humilde que vos fala nunca viu fé que não foi outrora questionada.
Que maravilhosa juventude!
Reinventa-se nos velhos hábitos já gastados por seus avós e permite-se a deliciosa chegada dos mesmos erros já vividos por seus pais. Nascem e morrem na deliciosa alvorada do antigo - e que gozo!
Agora entenda que o ritual antecedente ao advento deste mausoléu inveterado sempre é carregado de promessas de grandes alvoradas, nascimentos e assim - vida! - pois tudo o que é novo é supostamente belo, e na procura de desfazermos do que já existe apenas trocamos aquela roupa de linhas simétricas por algo como o boleado das curvas que gera o prazer inocente do "novo". Ai, o assimétrico!
E como no "antes", este "novo" que ressurge e suas incoerências obsoletas refletem nosso mais belo espírito de ferramenta institucionalizada por - quem? sei lá. Mas nunca fui eu toda essa demolição de mim mesma - para, no fim, voltar a ser o que era.