trincheira






seus olhos fizeram da minha brisa tempestade
do meu medo,
trincheira

meio a tormenta que teus lábios
- meu fio de instabilidade -
cavou,
protegendo a mim mesmo

e então caiu
a chuva,
a água,
o céu - teus olhos tão mansos

encheu-se minha vala
permaneci ali e
naufraguei
na correnteza das coisas que vão
e não voltam mais

A fé me parece como aquela moça bonita demais - que se sabe madura no pé - e faz pouco caso do bombom recheado que a mão do moço estende de olhos baixos. E meus olhos - que também são os olhos desse moço - tem medo de encará-la e ver que essa bobagem toda que a gente inventa de esperança é apenas uma parte de nós que já se sabe consciente do susto que vai tomar com aquele filme de terror, e ainda assim, grita alto o medo já conhecido. Fico de olhos baixos por aqui, com essa chama fria de esperança que a fé sempre alimenta, com medo de subir os olhos e ver que todo o mal que eu acredito existir realmente estar ali. Que Deus me dê forças.

6h

São seis horas da tarde quando pego o ônibus. Penso comigo mesmo que chegarei ao meu destino ainda com a luz do dia e que não me acostumo com esse horário estranho. A paisagem entediante e o balanço do carro dão um leve torpor muscular e me relaxo no banco. Nesses momentos mais inusitados - você mesmo, uma janela, um desconhecido ao lado, um céu sem fim - parece que todos os temas do mundo passam na cabeça e tudo o que tento é não me preocupar. Tarefa difícil. O infinito do universo, a fragilidade da vida, - será que tranquei a porta de casa?, amores perdidos e os futuros também inundam meus pensamentos. - Preciso maneirar no vinho. - Quanto tempo não vejo a Cláudia... - O que é o tempo?. E me perco. De repente uma olhada mais romântica ao céu - tão azul - e a vida que se nota tão pequenina e cândida nesse universo. Pois ora só, o que sou eu? Minha fragilidade me assusta. Pois não passo de nada, ninguém, ponto efêmero na imensidão de algo tão grandioso que é o universo e eu - pobrezinha - inútil criatura supérflua que de ônibus segue caminho à sua casa. E tudo se move. O telefone toca, é minha mãe. Pergunta a que horas chego em casa e recomenda que me apegue mais a Deus, pra enfrentar essa vida. Digo que sim, aceito o conselho. Fecho os olhos e durmo.