Laranja


Havia algo no pôr do sol que repousava sobre a cidade... minh'alma ficando pra trás no laranja que cobria o lugar onde meu coração havia ficado. Despedi-me de mim sem adeus e sem lágrimas, não era a primeira e nem a última vez, porém a mais triste. Este corpo que a tempo já se habituara a despedaçado ficar espalhado em casas e n'outras estórias agora perdia o próprio coração, como pode ver. Havia o deixado sem notar e assim, partindo sem pretensões de voltar, não pude recuperá-lo. Há talvez algo em mim que o faça de propósito: entrego-me demais. E notando este erro conscientemente não o corrijo. Lido com tudo que me desperta a emoção apenas com o silêncio de um par de olhos baixos e o grito mudo guardado no peito deste coração que me alardeava demais. Sendo assim talvez não o tenha apenas perdido ou esquecido inconscientemente, mas sim, quem sabe, talvez, o abandonado a própria sorte, no relento de algum quintal, ou desprotegido em qualquer par de mãos, para que uma menina, essa menina, possa enfim respirar. 

Eu sinto muito, mas eu sinto demais.

[travessão]:

Não sou de pouca conversa - falo muita bobagem - mas nunca fui de me abrir assim com os outros. Me parece insensato demais ocupar ouvidos alheios com as dificuldades que eu mesma não consigo enfrentar. Costumo escrever não como quem o faz pra fora - mas sim pra dentro. Rumino cada sílaba o tempo todo - volto, retorno, apago, não me entendo, repito. Me prende o antagonismo da vida - a sobremesa após o almoço - um bisneto no colo da avó - essas brincadeiras irônicas que a nós são impostas dia-a-dia. Acho tudo muito dolorido - e de tão triste me parece que a vida é bonita. Ou ela é bonita demais e por isso eu seja triste... Enfim, apenas não sei. Entende minha dificuldade? Eu não sou boa de prosa, mas eu não falo pouco. Ocupo esse vazio com intenções de felicidade e assim me esqueço a todo momento: a vida é difícil. E é uma só. E isso que me magoa... O oposto de viver é morrer, e apenas nesse ponto, onde tudo é dois, me parecem que as pessoas vivem meio mortas, um algo só.

Adeus

Então era o adeus. Quantas formas de adeus conhecera? Havia enterrado um cão certa vez na infância - porém não se lembrava do sentimento de peito escavado que ali agora presenciava. Quantos amigos havia deixado pra trás? A sutileza do tempo é dispersar o que amamos lentamente - quando se vê já é o fim. E de repente tomada assim - gesto profano de um coração duro que apenas dizia não amar mais. Crescera nessa mentira hollywoodiana de que o amor é suficiente -porém não o era. Desacreditara em deus ainda na adolescência - o coração bondoso não a permitira. Se entregou ao destino desde pequena e este esbofeteava-lhe a cara sem pena. Cresça, infeliz! Vê se aprende: adeus é o tchau mais triste que existe.

me afoguei

Surpreendi-me inicialmente - seu movimento silencioso ao lado de meu esqueleto desajeitado - na escola não nos ensinam nada sobre o amor e de repente me foi nítido que as equações não me ajudariam em nada no mundo ali fora. O contato de seu corpo no meu me afastou - por mais que o quisesse perto - eu uma pobre criança, que não sabia guardar segredos, não sabia pintar os lábios, sequer possuía bonitas calcinhas - criaturinha termoneutra e sem graça. Encurralou-me contra a parede - dali retirei algo da ciência: o que se seguiu com certeza diriam-me os professores ser apnéia. Prendi a respiração, e não compreendia como um corpo sem oxigênio poderia acelerar tanto um coração. Colou seus lábios no meu e prensou meu corpo contra o próprio um tanto sedento demais - e esta criança sem fôlego, sem jeito, náufraga num mar de sensações no qual em nada conseguiria se apoiar. O que se seguiu foi inspiração intensa - água que adentrou meus pulmões - fogo que queimou meu corpo - e então, a morte surge pouco tempo depois. Me afoguei naqueles braços e assim, desejei nunca mais reviver. Na escola não nos ensinam estas coisas.