Clave de fá

Errei o ponto. Nunca foi final. Era sempre reticências *suspiros*, vírgulas *continuações*, exclamações *gozo*.

Errei o acorde.
Na execução simultânea, preferi as escalas *a doce harmonia do crescente*

Ah! Queria cantar o mundo em dó menor, ter timbre, voz! Saberão me entender os apaixonados... Os de mundo azul-marinho.

O por-do-sol é um soneto, um beijo sinfonia.


campo de batalha

Minha guerra é perdida. Sequer pertenço a esse campo lamacento de batalha no qual sujo meus pés descalços. E aqui estou: alvo fácil, peito descoberto, um círculo no meio da testa que grita - mate-me!, e agora regozija a dor prévia da perda de algo que na verdade nunca possuiu. Meu leito é puro sangue, vermelhas mãos e colo nos quais meu inimigo se lambuza. E eu sigo caminhando nesse campo minado, ora me paro – olho minha volta, suspiro, choro. Ora fecho os olhos e peço aos céus proteção divina – me ajude meu bom deus. Segure a mão de sua menina. 

Abro os braços

E corro de olhos fechados ao seu encalço.

janta

Ontem fui jantar fora, um desses restaurantes que colocam mesas à calçada. Escolhi o prato e sentei-me a esperar... Porta de universidade, corpos, carros, cadernos num vai-e-vem que me entorpeceu os sentidos. Na falta do que levar a boca - esqueci-me do refrigerante - meus olhos se embriagaram naquele começo de noite movimentado. Essas crianças correndo apressadas às suas aulas, eu ali, faminta de qualquer coisa, olhos atentos aos seus movimentos, no que então me surge os dois: os nomeei Cassandra e Apolo, não pelo apelo mitológico, imagine. Não sou dada a essas cafonices de demonstrar-me mais inteligente do que realmente sou, mas apenas para dar-lhes ares de maior apresentação artística do que realmente conseguiria demonstrar em outras nomeações. Eram os dois, Cassandra e Apolo, menino e menina, homem e mulher, Adão e Eva que caminhavam juntos, desconfortavelmente abraçados a beijar-se um ao outro. Ombros, bochechas, bocas, cabelos, mãos. Infindos beijos que alardearam a atenção dessa pobre escritora que aqui vos fala. E os segui até onde pude, com o coração morno pelo carinho que ali transbordava, esquecendo-me por um momento do narcisismo infantil que nos move rumo à essa (mal)dita necessária paixão eloquente. E naquele casal, agora apenas João e Maria, cercado de tantos que iam e viam sem lhes dar conta, perdidos em seus beijos e abraços e carinhos, vi o céu que se prega no percurso do amor, me dando conta de que a muito vivia apenas o inferno - e num susto: - Sua refeição, senhora. Cassandra e Apolo se foram, os perdi de vista. Lamentei a dureza do garçom, mas foi apenas mais uma dessas indelicadezas da vida. Comi, sorri e me retirei. Naquela noite sonhei que amava e amanheci feliz.

E eu lhe digo: adeus

Não me lembro o dia que você morreu. Sei que estava só, como me sinto desde então, quando soube que você não estava mais. Não me lembro se fui lágrimas, risos ou lamento. Mas me lembro da força desumana que meus músculos demonstraram ao afrontar um coração que não acreditava conseguir colocar-se em pé. Em especial trago um detalhe que ficou: era noite, como são os meus dias agora. E desde então, nunca fui tão forte...

Well, you cured my January blues

havia tua mão
-e a boca minha-
passeava apressado
em minha língua
(havia meu suspiro
e o seu arquejo)
essa febre que me toma
essa cama em que me deitas
desses olhos que não dizem
onde terminam estes dedos

manifesto

Aonde estão as mulheres de minha geração? Aonde estão as Janis com sua sinceridade construtiva, sua personalidade singular? As Clarices com seus fossos e seus segredos? Aonde estão as mulheres que precisam ser desvendadas, descobertas, desnudadas - e isso tudo a muito custo, muita luta! Vejo por todos os lados pequenas cópias múltiplas, milhares, de cabeças ocas e vestidos curtos. Aonde estão as Dilmas de nossa geração? As Elizabeths, as grandes rainhas donas de grandes exércitos, as grandes comandantes. Meu Deus! Aonde estão? Fridas, Evas, Tarsilas, Leilas, Anitas, Helenas, apareçam por piedade Divina! Pois o que me rodeia é cansativo. É plural demais para um sexo tão singular.

escalada

Conheci o amor ao longo das trombadas com os muros altos, que me ensinaram que nunca conseguiria passar por entre o forte concreto. Após quebrar a cara diversas vezes aprendi a escalar. Errei demais ao apoiar os pés em locais inapropriados. Às vezes, pisando forte demais em locais muito frágeis, agarrando em galhos já secos, ou até mesmo, perdendo as forças e caindo ao chão novamente. Ralei os joelhos, sangrei sozinha. Nunca desisti. Às vezes achei que não encontraria forças para prosseguir, ou até mesmo que a vontade já não existia mais... Sempre enganada. O que me motiva são os boatos, a rima que ouço dos ventos, o canto dos pássaros que apenas confirmam o que nasci sabendo: a vista é linda. E eu continuarei subindo.


sobre saudade

      A Saudade é o pior tormento, já dizia Chico Buarque. Habituei-me à ela como quem todos os dias abre os olhos ao despertar, uma necessidade precisa. Como faria eu se passasse o dia com os olhos tapados? É preciso abri-los. Saibamos que nós abrimos os olhos ao despertar e não erroneamente, como alguns pensam, despertamos porque abrimos os olhos [note a sutil diferença, porém fundamental]. E assim é a saudade. Num de repente ela surge furtiva, apressada e assim dolorida. E então neste mesmo relance que vem, você é despertado e nota que ela sempre esteve ali, sempre estará. A Saudade lateja no peito como um coração adolescente disparado ao ver-se numa situação tão íntima com a pequena namorada com a qual dança. A mão gentilmente desliza para a cintura da moça, o vestido leve de seda permite asas à imaginação e o coração fraco cede, bate. Assim é a saudade. A saudade é cada lambida de Sol ardente que seu corpo toma pela manhã ao pegar o caminho para o trabalho, é a mesa posta para somente um no café-da-manhã. E sendo assim não me surpreenderia se estivesse emocionado com aquela música, aquela que dizia algo sobre os dois, que antes um, agora somente metade. A Saudade é a velhice só, é perceber em cada brisa fria da manhã a lágrima quente da lembrança guardada, saudosa e bem-vinda. E já que foi me dado o direito, usufruirei todos os dias desse nobre sentimento, sonharei todas as noites com a presença que perdi, me emocionarei com a chuva e dormirei embalada em suas canções. Pois faz parte de mim, e mais do que isso, é o que sou, como os olhos que se abrem ao despertar pela manhã.

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Leva os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor, adeus

entrei em casa e havia uma carta embaixo da porta que dizia assim:

Meu Amor, te perdi. Não por relutância ou comodismo, mas por não ser permitido a mim mais estar aqui. Ficará o futuro que não chega, os planos que não se concretizam, os filhos que não são gerados. Me perdi. Logo que parti notei o erro que cometia mas não pude voltar atrás. Meu Amor, enxugue as lágrimas. Dias novos virão, amores não tardarão, limpe este rosto, que de tão alvo confundo com o céu, mas ao olhar pros lados vejo que não está aqui. Te perdi. Te imploro perdão. Siga com a sua vida, seja feliz, mas não te esqueças de mim. Te imploro que me guardes na lembrança, de um amor fadado ao vento, ao silêncio de dois corpos, ao sorriso de uma amizade, à um -eu te amo nunca pronunciado, aos sussurros e gemidos que nunca nos deleitamos. Me perdi. Guarde uma fotografia, guarde uma memória, guarde um rabisco qualquer, mas não te esqueças de mim. Pois enquanto me perdia em meus próprios braços e soluços em meu próprio ofegar que notei o quanto sempre te quis.

Meu Amor, te perdi. E não pude achar-te em mim.

sobre amores guardados

Não tive a chance do olhar de adeus, de uma despedida correta, declarada em paz ou em guerra, pelos seus olhos pequenos. Olhos pequenos que traduziam tão bem a vontade de minhas mãos em teu corpo, onde brincava desajeitada e ousadamente pelo seu jeans. E o não despedir-se meu Deus, me sufoca ainda nas noites de solidão, onde minhas mãos pousam em meu peito e meu coração chora o bater fraco e lento ausente do seu. Me acovardei, chorei seus olhos cerrados e jurei não esquecer. E eis minha maior contradição: por medo de me esquecer me lembro todos os dias, todos os dias.