noitinha

- Você podia me dar um beijo na nuca. Mil beijos na nuca. Eu não me importaria. Beijos na nuca combinam com esse tempo frio. Dá um arrepio que faz querer sumir embaixo do cobertor antigo e empoeirado... Faz assim mesmo... Coloca um filme aí pra nós que eu vou pegar uma garrafa de vinho. A gente bebe e brinca com nossos pés. Você quer dormir comigo hoje?

assim como as estações amores estão sujeitos a mudanças

Você já amou alguém? Mas não digo deste amor mascarado, que inventamos para não nos sentirmos tão sós neste mundo onde estar sozinho é tão cruel e estar acompanhado se torna objetivo de uma vaidade repreensível. Nunca se soube definir bem o Amor, afinal ninguém sabe o que realmente ele é. Poderia definir como carinho e vontade, misturados num quê de posse que somente os amados entenderiam. Em outras palavras: Bobo. O Amor é bobo. Te faz ficar olhando uma pessoa dormir apenas pelo prazer de estudar sua respiração e ao mesmo tempo te faz xingar e gritar por um motivo ignorável. Mas isto é amar alguém? Amei todos os homens de minha vida. Amei meus pais. Amei pessoas que cruzei em travessias de ruas apressadas e velhas senhoras com as quais compartilhei assentos em ônibus à caminho de casa. Amei personagens, amei criaturas. Amei meus amigos e amei a Deus. Amei histórias de vida. Amei a mim mesma. Como poderia definir amor quando nem aos meus próprios inimigos soube odiar? Questiono a nobreza deste agora. O tempo reformula e muda tudo. Nada é estável. O seu Amor de agora não será o mesmo Amor de amanhã. Ele está sujeito a aumentos, mudanças de estado e declínio. Porém, Amores serão sempre amáveis.

A bailarina

Das grades ao muro ela dançava. Era um movimento oblíquo, um tanto de 30º que entortaria o pescoço de quem tentasse admirar, mas estava sozinha na rua, junto somente dos ratos que habitam os esgotos nas madrugadas mais quentes. E era uma dessas, onde o cabelo cola na nuca e o suor escorre clavícula abaixo, deixando intimidantes os seios empapados que naquele momento arfavam. O coração palpitava, gritante e tinha a impressão de que poderia ouví-lo e até mesmo sentí-lo sem o mínimo de esforço. Ao notar quão estúpida era esta minha pretensão fingi apenas que sim, ouvia seu coração palpitar. Tum. Tá. Tum. Tá. E ela rodava, girava, dançava, by herself com os pés na rua.
- Cláudia, pára com isso Cláudia. Não aguento mais Cláudia, todo dia é a mesma coisa. Essa esfregação de chão, esse cabelo despenteado. Não foi assim que eu te conheci, Cláudia. Larga esse pano de chão, 'tô falando com você. Não precisa cozinhar hoje não. Não adianta reclamar, não quero sua comida. Como você tá repetitiva... Sinto sua falta, Cláudia. Cadê a Claudinha que eu conheci? De rabo-de-cavalo e chiclé de goma? Eram bons tempos Cláudia... Desliga essa televisão, tô falando com você. Quer sair pra dançar? Você gostava tanto do pagode... Que mané lavar roupa, Cláudia. Não tá me ouvindo não? Sinto falta da Claudinha. Num quero uma empregada não, Cláudia. Que ir embora o que Cláudia. Não vou embora não, tá louca? Essa casa é minha também. Os filhos são meus também... Claudia... Claudinha... Fica calma Claudinha... Não, eu gosto de você sim, Claudinha... Fala assim não Meu Bem... Ô Claudinha, só queria te distrair um pouco... Tá, tá bom, vai lá passar o rosbife. Tá bom, tá bom, vou assistir meu futebol quieto aqui... Não reclamo mais não, tá? Te amo Claudinha.